Resenha por: Carlos Elias 28/12/2020
Review por: Jorge Jr. 30/12/2020
O Xerife da Babilônia
Xerife da Babilônia foi o primeiro trabalho da dupla Tom King e Mitch Gerads e o primeiro que o roteirista e ex-agente da CIA submeteu todo o seu conteúdo à aprovação da Agência Central de Inteligência norte-americana, Tom King estava servindo para a agência em Bagdá no período em que a história se passa, o clima realista e a veracidade das situações construídas na trama nos faz questionar onde termina a realidade e começa a ficção? A história se passa em 2004, exatamente dez meses depois que os Estados Unidos conquistaram Bagdá.
Christopher é um ex-policial de San Diego que está no Iraque como prestador de serviço no treinamento da nova força policial iraquiana, um dos seus recrutas aparece morto e ele se sente no dever de descobrir quem o matou. Depois temos Sofia, uma refugiada sunita que cresceu nos Estados Unidos, única sobrevivente de sua família chacinada pelo regime de Saddam Hussein ela é cheia de conexões mafiosas e influência política. E por fim Nassir, um ex-policial linha dura que mesmo sendo xiita, ocupou cargo importante no regime autoritário sunita de Saddam e agora se vê obrigado pelo passado a retornar de sua aposentadoria. “Bang, bang, bang” é o título do primeiro encadernado e são com essas onomatopeias e muito sangue que terminam as apresentações de cada um dos três protagonistas da história.
Pg.16, 21 e 25, Tiros e sangue fecham as apresentações dos três personagens, também as três cores predominantes, o laranja, o verde e o azul.
O desenvolvimento dos personagens é perfeito, numa história de investigação criminal num ambiente de guerra multiétnica Tom King cria personagens verossímeis e imprevisíveis, aos poucos nos são revelados seus segredos, alguns insignificantes outros chocantes, parece que todos buscam redenção por pecados do passado e a esperança de construírem um Iraque melhor. As ambiguidades que tornam os personagens tão interessantes são desenvolvidas pelas ações e diálogos e não através de balões chatos de pensamentos num momento de reflexões existenciais do personagem, por causa disso esse desenvolvimento é gradual e como leitor, acho que foi isso que me prendeu ao quadrinho, pouco me importava a identidade e o justiçamento do criminoso, o que me interessava era saber sobre os três protagonistas, quais os seus passados, quais os seus interesses e motivações.
Esse deve ter sido um período estranho, quando o velho governo deixou de existir e o novo ainda não nascera, uma terra de ninguém aonde a lei ainda não chegou, como naquelas cidadezinhas dos filmes de velho oeste, o que todos perguntam ao Chris é por que ele se importa com a morte de um recruta iraquiano? O americano ingênuo e altruísta acha que deve ser o xerife da Babilônia.
Essa não é mais uma obra revisionista que pretende denunciar a ganância das nações imperialistas ou o sadismo fundamentalista dos terroristas, nada de preto no branco, a sujeira da guerra deixou todos cobertos com tons de cinza, o que diferencia as vítimas de seus algozes são as circunstâncias, a conveniência rotula os heróis e os vilões, o progresso é algo relativo na terra que foi o berço da civilização.
Do ponto de vista histórico toda a trama é muito bem contextualizada, com uma fácil pesquisa você pode descobrir que muitos dos alvos de ataques terroristas nesse período eram delegacias ou postos de recrutamento para forças de segurança *. Outro ponto inteligente de king é perceber que os senhores da guerra não ganham dinheiro só com petróleo no oriente médio, mas também com prestações de serviços e reconstrução de infraestruturas, que são as negociações paralelas que vemos Sofia envolvida, ela própria dá pistas de que seja uma neta fictícia do filósofo Michel Aflaq, fundador do partido Baath que governou o Iraque de 1968 até 2003. O General Holland com certeza é o general Tommy Franks que comandou as forças aliadas na invasão do Iraque e do Afeganistão. Hassan é provavelmente Hoshyar Zebari, político iraquiano curdo que nesse período foi membro do Conselho de Governo Iraquiano como ministro das Relações Exteriores. O Hotel onde Chris e Nassir quase almoçam é palco de acontecimentos políticos importantes do Iraque nos últimos trinta anos. O restaurante na zona verde (área controlada pelos EUA) em que uma garotinha vestindo um xador hesita em se explodir e é executada, realmente foi destruído por um atentado suicida em outubro de 2004.
Chris é o típico americano bem intencionado que apoia ingenuamente as atrocidades de seu país e Nassir é um Clint Eastwood iraquiano, provavelmente um personagem comum naquela região.
Mitch Gerads já desenhou histórias com temas militares em Activity (Image) e Justiceiro (Marvel) e a sua arte de photoshop realista combina perfeitamente com a trama. Tom King já acompanhava um blog do desenhista quando soube que poderia escolhe-lo para desenhar seu roteiro, mas Mitch estava ocupado em outro projeto, então o editor Jamie Rich entregou algumas sketchs de alguns artista para Tom e Mitch foi o único que desenhou uma xícara de xá iraquiana autêntica, bem diferente das xícaras inglesas que usamos no ocidente, essa dedicação aos detalhes fez Tom decidir esperar Mitch ficar livre para desenhar Xerife. Mitch é tão obcecado com detalhes que ficou meia hora na internet para ter certeza que os telefones no Iraque eram iguais aos do ocidente, segundo o próprio Mitch, todos os locais, ruas e edifícios desenhados realmente existiam no Iraque na época da história. Ele também gosta de usar nos personagens os rostos de famosos, personagens históricos, parentes e colegas de editora. Entenda que arte de photoshop não é uma descrição pejorativa, pelo contrário, ela é cinematográfica, cheia de movimento e de planos característicos da sétima arte, sua arte é um storyboard de altíssima qualidade de um filme da Kathryn Bigelow. Também é Mitch que colore, toda página já é desenhada sabendo qual será a paleta de cores utilizada, três cores se destacam, o laranja, o verde e o azul, não só para representarem a luminosidade em períodos do dias mas também diferenciar personagens ou o clima da cena, as transições são muito bem equilibradas.
Segue abaixo algumas referências que a compulsividade patológica me ajudou a encontrar: