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Resenha por: Maxson Vieira                                                                     23/12/2020

O vazio que nos completa

“…A maior caverna do mundo é imensa! Tem clima próprio, rios, selva e até nuvens! Imagina só… um mundo dentro de outro!”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Essa é uma publicação nacional, da editora Marsupial do ano de 2018. Os roteiros são por conta de Sérgio Chaves, com arte de Allan Ledo.

A obra gira em torno da amizade de dois rapazes chamados Douglas e Guilherme. Eles estão na faculdade, dividem apartamento e têm forte amizade desde a infância. A história começa mostrando o Douglas acordando numa cama de hospital depois de sofrer um surto psiquiátrico, e logo percebemos que este não é o primeiro. Após ele voltar para casa, acompanhamos um pouco do seu quotidiano e da sua relação de amizade com o Guilherme. Os dois são um tanto quanto solitários e têm poucos amigos, e a inserção de uma terceira pessoa entre eles gera conflitos, dúvidas e revelações surpreendentes.

 

screvi sobre o enredo de forma bastante resumida e buscando não fornecer qualquer tipo de spoiler. Isto não seria interessante, pois o final é surpreendente e totalmente inesperado.

 

O roteiro desenvolvido pelo autor é muito bem amarrado e não deixa nenhuma ponta solta. Apesar de algumas passagens parecerem confusas, ao final do quadrinho tudo fica claro e entendemos o porquê do estilo da narrativa. O Sérgio Chaves consegue desenvolver de forma bastante elucidativa o tema central, que é a Esquizofrenia. Ao final da história percebemos, de forma semelhante à doença, que o irreal pode parecer real a tal ponto de não sermos capazes de distinguir os dois. Isto nos induz a profundas reflexões ao término da leitura.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os desenhos, apesar de terem aparência de “descuido” ou de ser feito de maneira corrida, não comprometem a qualidade da obra. O estilo do artista me lembra muito os quadrinhos underground americanos de meados da década de 1980. Em determinadas passagens, a arte é bastante “suja”, e combina de forma muito harmoniosa com a temática abordada e com os delírios do personagem.

 

Quando terminei de ler a história pela primeira fez (sim, eu li duas vezes), fiquei umas duas horas pensando nela e se tinha realmente gostado e entendido completamente o que o autor queria passar. Fiquei com uma sensação de não te compreendido direito ou de ter deixado algum detalhe passar despercebido. E quando reli, alguns dias depois, confirmei que deixei sim muitos detalhes passarem.

 

O autor escreve de forma a nos fornecer algumas dicas do que realmente está se passando na história. Mas tais dicas são tão sutis e discretas, que dificilmente conseguimos distingui-las entre tantos outros elementos narrativos. Somente após uma segunda leitura podemos perceber estes detalhes e como eles se conectam com os personagens.

 

A questão central trabalhada se resume a uma pergunta: “O que é real e o que é irreal em nossas vidas?” Pode parecer uma pergunta simples, mas a resposta (ou respostas) pode se tornar bastante complexa, principalmente para pessoas que sofrem de algum distúrbio psiquiátrico.

Quem já conviveu com pessoas acometidas de esquizofrenia sabe que, para essas pessoas o irreal é tão palpável quanto o teclado com o qual estou escrevendo este texto.

 

Há alguns anos, uma pessoa próxima a mim foi diagnosticada com essa doença. E por mais que tenhamos informações sobre a enfermidade e como agir em casos de crise, é bastante impactante quando estas ocorrem. Afinal, o que fazer quando você acorda de manhã e se depara com seu pai, mãe, amigo ou amiga escondida debaixo da mesa da cozinha, porque o vizinho está em cima da casa querendo matá-la? Como explicar que esse problema não existe, se ela está realmente ouvindo e vendo tudo que relata? Como falei anteriormente, a resposta é muito complexa.

 

As pessoas com esquizofrenia realmente ouvem, vêem e sentem tudo aquilo que aparecem em suas crises. Isso incluem amigos imaginários, situações e locais fantasiosos. O seu imaginário se entrelaça com a sua vida de tal forma que, o irreal, para essas pessoas torna-se o real. E como forma de dimensionar este problema, é necessário lembrar que a nossa imaginação raramente tem limites, e nossa cabeça é um mundo imenso, tal qual um mundo dentro de outro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O autor consegue transmitir de forma bastante eficiente este entrelaçamento entre o real e imaginário dentro da cabeça do personagem. Ao final da leitura, fica ainda o espaço para nos perguntarmos se o que estamos vivendo é real ou fruto da nossa imaginação. Difícil pensar na resposta.

 

Para quem gosta de temáticas psicológicas, ou de livros ou filmes como “O Sexto Sentido”, no qual toda a trama se revela no final, esta HQ é um prato cheio.

 

A obra conta com capa cartonada, 112 páginas em preto e branco e preço de capa de R$ 56,00, podendo facilmente achada com desconto. Vale muito a pena.

 

Matéria inicialmente publicada no site: https://editorialivre.com.br/o-vazio-que-nos-completa/

Reproduzida com permissão do autor.

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