Resenha por: Carlos Elias 28/12/2020
Resenha por: Carlos Elias 29/06/2020
Muito além de Asterix
Uderzo e Goscinny em um encontro com seus personagens mais famosos: Asterix, Obelix e o cãozinho Ideafix |
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Capa da edição portuguesa de Humpá-Pá Pele Vermelha, onde o índio exibe para sua tribo o "escalpo duplo" do estrangeiro Humberto Mil Folhas. |
Capa do primeiro álbum de Iznogoud, redesenhada anos mais tarde por Tabari para uma nova edição. Observem que na primeiro capa o nome da revista ainda é: “As Aventuras do Califa Harun Al Mofadah”. E também chama bastante atenção a mudança no traço do artista. |
Capa traseira dos álbuns de Lucky Luke, onde o cowboy demostra a sua incrível capacidade de ser mais rápido que a própria sombra. |
Se existe uma coisa da qual tenho certeza absoluta, é que um dos fatores que auxiliaram na minha educação, foi a leitura das coleções de quadrinhos do meu pai, do meu tio Raymundo e a coleção da Turma da Mônica da minha prima Eliana. Tenho uma enorme dificuldade em escrever, por conta de uma dislexia leve, que me impede de compreender as regras ortográficas e um pouco das gramaticais, e se não fosse o esforço dos meus pais aliado a leitura dos quadrinhos, com certeza não estaria aqui escrevendo este texto.
A coleção de quadrinhos do meu pai é composta por vários álbuns de personagens da Disney, revistas nacionais (das quais falarei em um futuro artigo), quadrinhos underground dos anos 70 e 80, algumas graphic novels americanas e vários quadrinhos europeus. São raras as revistas de super-heróis com as quais tive maior contato na minha adolescência, mas o foco desse artigo são as revistas europeias, mais especificamente as revistas escritas por René Goscinny.
Uns dos álbuns presentes na coleção do meu pai são os de “Asterix”, álbuns que ele (e eu também) tratamos como um verdadeiro tesouro. “Asterix” é uma das criações do roteirista francês René Goscinny em parceria com o desenhista Albert Uderzo. É um quadrinho com um humor inteligente, que conta a historia da dominação da Gália (França hoje em dia) pelos Romanos, a historia se passa em 50ac, período em que Roma era comandada por Júlio Cesar. A Trama gira em torno da aldeia de Asterix, seu inseparável amigo Obelix e o restante dos aldeões, que com o uso de uma poção mágica que lhes dá superforça, resistem aos invasores Romanos.
Com certeza, a maioria dos leitores desse artigo de alguma forma já foi apresentada a “Asterix”, seja pelos quadrinhos, ou pelos desenhos animados, ou ainda pelos filmes estrelados por Gerard Depardieu no papel de Obelix, mas o que muitos não sabem é que a dupla Goscinny e Uderzo produziram outra serie de quadrinhos chamada “Humpá-pa”.
Tive meu primeiro contato com “Humpá-pa” através da coleção do meu saudoso tio Raymundo. Meu tio foi, por um bom tempo, correspondente do Jornal A Tarde, assessor de impressa da Associação Comercial e do CDL aqui na cidade de Jequié interior da Bahia. Por esse motivo, viajava bastante para Salvador e outros estados, e uma das formas dele se distrair nessas viagens era visitar livrarias e bancas de revista, e foi dessa forma que pudemos ter nos anos 80, em uma época em que nem se sonhava em compras on-line, acesso a varias revistas europeias, muitas delas, edições importadas de Portugal, e assim conheci: “A Garagem Hermética”, “Torgal”, “Tintin”, “Spirou e Fantasio” e muitos outros, dentre eles “Humpá-pa”.
Como foi dito anteriormente “Humpá-pa” também é uma criação da dupla Goscinny e Uderzo que assim como em “Asterix”, se passa em um período histórico e tem como protagonistas uma dupla de amigos, porém as semelhanças acabam ai. “Humpá-pa” tem sua historia contada por meio do encontro de dois mundos diferentes, um colonizador francês e um índio norte-americano que se unem em torno do conflito com um inimigo em comum, a tribo dos Pés-Chatos. Humpá-pa é o nome do índio e seu amigo francês é o Humberto Mil Folhas, ou Humberto-da-Massa-Folhada (Hubert de la Pâte Feuilletée) dependendo da tradução, a quem Humpá-pa chama de “Irmão Escalpo Duplo” porque o francês usa uma peruca. O humor do roteiro de Goscinny explora o choque cultural gerado pela colonização europeia na América do Norte, tanto no aspecto do colonizador quanto do colonizado.
Embora “Humpá-pa” tenha sido a primeira criação da dupla, Goscinny e Uderzo tiveram que abrir mão de sua publicação para dedicarem mais tempo a “Asterix” que estava fazendo bastante sucesso na época. Sendo assim, o robusto índio e seu franzino amigo francês tiveram originalmente apenas cinco álbuns, e isso fez com que “Humpá-pa” seja um quadrinho pouco conhecido fora da Europa, sendo uma das poucas criações de Goscinny que não teve adaptações para o cinema ou a televisão.
Goscinny também teve outros parceiros criativos ao longo da sua careira nos quadrinhos, e um deles foi Jean Tabari, com quem criou “Iznogoud”.
“Iznogoud” é um dos quadrinhos que mais gosto. Tive meu contato com ele, através das coleções do meu pai e do meu tio, já que cada um tinha alguns números variados. Nestas HQs, Goscinny abusa de uma das características da sua escrita, o trocadilho. Já podemos perceber isso logo de cara no nome do personagem principal Iznogoud que é um trocadilho para a frase em inglês, “is no good”, que na tradução é literalmente “não é bom”, o que mostra a personalidade do vilanesco Grão-Vizir que tenta a todo custo tomar o lugar do bondoso Califa Harun Al Mofadah e conta para isso com a ajuda do seu fiel criado, Omar Melahdah ou Omar Vadinho, dependendo da tradução. Aqui temos um ponto que merece observação: grande parte do humor dessas revistas depende de uma boa tradução, e às vezes, adaptação, para o português. Existem trocadilhos em francês que às vezes não fazem sentido em português, e cabe ao tradutor adaptar aquilo da melhor forma possível, isso felizmente acontece nas edições brasileiras de Iznogoud.
Com o seu bordão “eu quero ser califa no lugar do califa”, Iznogoud talvez seja a obra de Gorscinny mais conhecida no Brasil depois de Asterix, muito por conta de uma animação franco-britânica que passou nos meados dos anos 90 no programa TV Colosso da Globo, e fez um relativo sucesso. Nesse desenho, a equipe de dublagem mudou a palavra califa para sultão, o que é um erro porque são títulos de nobreza diferentes. Houve também, um filme livi-actio lançado em 2005, praticamente desconhecido no Brasil.
O interessante é que Iznogoud era apenas um coadjuvante na revista “As Aventuras do Califa Harun Al Mofadah”, mas devido ao seu sucesso se tornou o protagonista, sendo assim, de certa forma ele tornou-se califa no lugar do califa.
Por último, mas não menos importante, temos a BD (banda desenhada ou bande dessinée, como falam os Franceses) “Lucky Luke”. Criado pelo desenhista belga Morris que convidou Gorscinny pra roteirizar as historias do cavaleiro solitário, Lucky Luke.
Confesso que esse foi o quadrinho de Gorscinny que mais tive trabalho para me acostumar, não sei se por conta da maioria das revistas que li deste personagem terem a tradução em português de Portugal, ou por eu não ser muito chegado à temática de faroeste. Mas a verdade é que com o tempo, ele também me conquistou. Assim como “Iznogoud”, a coleção de Lucky Luke estava dividida entre meu pai e meu tio, (embora meu tio tivesse muito mais números do que o meu pai).
Lucky Luke é um cowboy solitário que tem como melhor amigo, o seu cavalo Jolly Jumper, o cavalo mais esperto do mundo. O cowboy que atira mais rápido que a própria sombra, Lucky Luke encontra em sua jornada, vários personagens famosos do velho oeste americano como: Calamity Jane, Billy The Kid, Jesse James, dentre outros. O humor das HQs de “Lucky Luke” fica por conta das paródias feitas aos filmes de faroeste, e dos exageros quase nonsense do heroísmo do cowboy e da vilania dos bandidos.
Houve algumas adaptações do personagem para o cinema, sendo a primeira delas protagonizada por Terence Hill que não é muito boa, e duas versões francesas, bem mais fiéis aos quadrinhos. Também foram feitas algumas animações, mas todas pouco conhecidas no Brasil.
René Goscinny ainda teve outras obras adaptadas para o cinema, como é o caso do livro infantil “O Pequeno Nicolau”.
Em outra oportunidade, devo fazer alguns artigos falando separadamente sobre cada uma das HQs citadas aqui, porque são obras que merecem ser apreciadas, e dessa forma fica aqui uma dica para quem quer fugir dos quadrinhos de super-heróis americanos e se aventurar nos leves e divertidos quadrinhos escritos pelo genial René Goscinny.