Resenha por: Carlos Elias 28/12/2020
Resenha por: Rodrigo de Oliveira Ferraz 26/01/2021
Leitor X Colecionador
Desde a infância gostei muito de colecionar coisas. Das poucas coisas que me recordo estava entre as primeiras os velhos cartões telefônicos. Eram muitas opções para nos persuadir ao desejo de busca pelo próximo. Lembro-me que o suprassumo no meu ciclo de colecionadores amigos era a coleção do Senna desenvolvido pela Telebras. Poucos de nós conseguiram completar, mas as opções para colecionismo não paravam e vou citar aqui algumas delas:
Tazos (Animaniacs, Lonney Tunes, Pokémon, Caps, o máscara, etc...), Coca-cola (Geloucos e Geloucósmicos, Futegude, Mini Craque, Tampinhas Disney, Papagaio Jogador, Ursos, Garrafinhas ...) e mais algumas bugigangas que não me recordo.
Um fato importante sobre as aquisições destes itens é que esse em especial não utilizava para brincar ou estragar de alguma forma, porém, com o tempo se tornava moeda de troca pra algo mais atual. Dentre essas atualizações e com experiências vividas por incentivo indireto de casa, me tornei o primeiro e único colecionador de quadrinhos do meu ciclo de amizades. Engraçado como quadrinhos era algo que eu não me importava muito em querer criar uma “mania” na minha rua, e no fundo, eu sentia meio que remorso em pensar em trocar ou emprestar algo que eu adorava muito e que fazia uso, ao contrário das bugigangas. Acredito que os quadrinhos foram a primeira coisa que me despertou um sentimento de egoísmo. Era algo que tinha pra mim e que não me importava em compartilhar e com um tempo comecei a prioriza-lo. O fato de ler não era o que determinava o egoísmo, pois inúmeras vezes quis compartilhar as emoções de alguma leitura, mas a ideia de ter que emprestar meu quadrinho para alguém, isso me incomodava. É natural que em determinado período da infância, a criança viva o egocentrismo, o que geralmente tem seu ápice nos anos iniciais e não para uma criança de oito anos ou mais.
Hoje em dia fazendo uma reflexão de todas essas sensações de nostalgia e tentando acompanhar o nascimento dos novos leitores/colecionadores me preocupo se os velhos hábitos podem estar contribuindo de alguma forma para atitudes egoístas e antissociais. Na minha infância eu negava algo que era acessível aos meus amigos, e não digo apenas do material em si, pois bastava que eu oferecesse a eles apenas uma oportunidade de conhecer aquelas emoções que os quadrinhos me davam, mas eu não fiz isso. Penso em como hoje nem tudo é mais tão acessível. Não posso confirmar, mas acredito que a grande parte dos consumidores é formada pelos velhos leitores/colecionadores que disseminam seus velhos hábitos egoístas. Se levarmos em consideração os “reajustes” de preços dos quadrinhos, posso afirmar que é totalmente inviável que uma criança em determinada condição social financeira adquira essa experiência. A justificativa de que existe sim quadrinhos com preços acessíveis se torna um ato ainda mais egoísta levando em consideração que esses quadrinhos se compõem de uma única vertente, ou seja, a criança é forçada a ler o que ela pode e nunca o que ela gosta, a não ser que ela goste apenas daquilo. Também não entrarei em detalhes sobre monopólios e situações atuais de mercado, recursos utilizados e outras mil justificativas que se ouve para os tais reajustes, pois a minha indignação ainda parte dos consumidores que mesmo com críticas, não abrem mão das caríssimas aquisições.
Outro fator excludente de novas possibilidades para que o amor por quadrinhos seja compartilhado são as trocas. Raramente se troca quadrinhos pelo contexto da obra, mas pelo preço de capa, o que não é errôneo, quando se leva em consideração a experiência proporcionada pela leitura. Em resumo, muitas trocas acontecem levando em consideração o material utilizado, a lombada, a tiragem, etc...
É aceitável que o leitor se torne apenas colecionador, que compre itens para encaixar na estante e ter uma linda lombada, o que não pode ser aceitável são os preços desses itens que não são oferecidos em algo mais em conta dando oportunidade para que novos colecionadores primeiro entendam o conceito de ser leitor. Por que não lançar em capa mole e folha jornal um título que saiu em capa dura e couchê? Para mim a resposta é clara. Enquanto tiver público (colecionadores egoístas) haverá show (monopólio e superfaturamento das editoras).