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Resenha por: Maxson Vieira                                                                     09/01/2021

Boa Noite PunPun (Sem Spoilers)

“PunPun, eu acho que os humanos não podem enterrar o sentimento de solidão por completo”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Antes de começar a falar sobre a HQ em si, gostaria de deixar muito claro que é bastante difícil escrever qualquer coisa, ou dar algum tipo de opinião sobre Boa Noite PunPun sem deixar spoilers. A história é muito pesada e em várias passagens tive que parar para tomar água e respirar um pouco. Volta e meia recebemos umas pancadas tão fortes que ficamos um tanto quanto atordoados. Mas vou escrever tentando evitar ou minimizar ao máximo a produção de spoiler.

 

Boa Noite PunPun é um mangá publicado aqui no Brasil entre 2018 e 2019 pela editora JBC em sete volumes. A obra é escrita e desenhada pelo Inio Asano e, ao todo, conta com pouco mais de 2600 páginas.

 

A história gira em torno da vida de um garoto chamado Punpun Punyama, e começa quando ele está na fase de pré-adolescência, no equivalente ao ensino fundamental japonês. Punpun vive com os pais, os quais ele tem sérios problemas de relacionamento, como falta de carinho e rejeição por parte da mãe, e nunca é sequer ouvido por eles. Nessa conjuntura, o garoto é muito tímido, introspectivo e se enxerga totalmente diferente das outras crianças. Tanto que ele enxerga a si próprio e seus parentes, como a figura de um pássaro, tamanho o sentimento de disparidade deles para com o resto do mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PunPun então tem a sua primeira paixão por uma nova colega de sala, a Aiko Tanaka. Ela demonstra corresponder a essa paixão, mas pequenos acontecimentos acabam os afastando e Punpun faz novas amizades e até entra para um grupo de garotos. A partir desse ponto, os personagens começam a ter os questionamentos sobre o universo que os rodeia, tanto físico quanto social e principalmente emocional. Como adolescentes, várias dúvidas nascem, mas com elas, tristemente, surgem poucas respostas e raras certezas.

 

A história evolui durante os volumes da obra, e podemos acompanhar PunPun no ensino fundamental e até o início da sua fase adulta. Aqui os problemas da infância se acentuam e os traumas psicológicos afetam cada vez mais a sua vida social. O personagem se torna um sujeito um tanto quanto depressivo, que não consegue criar vínculos com as pessoas. O final é surpreendente e reconfortante.

 

O Roteiro é extremamente bem trabalhado, podendo ser dividido em quatro atos. O primeiro, quando PunPun mora com a sua família, quando sente o descaso deles para consigo; o segundo, a partir de quando ele decide ir morar sozinho e surgem novos problemas, como trabalho e contas a pagar; no terceiro ele reencontra a sua primeira paixão e cai num redemoinho de sentimentos e o quarto e último ato, quando ele deixa a adolescência e todas as suas incertezas e inseguranças ficam para trás. Cada um desses atos tem a sua própria dinâmica, incluindo a forma que PunPun se relaciona com os outros personagens e consigo mesmo. Apesar do fato de que alguns personagens não terem sido tão bem desenvolvidos quanto se esperava e algumas situações parecerem ter sido usadas apenas para “encher linguiça”, o roteiro todo é muito bem construído. O autor consegue captar e transmitir com muita sensibilidade os conflitos internos de alguém passando pela adolescência e entrando na fase adulta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os desenhos são espetaculares e dão um show à parte. O artista demonstra um domínio impressionante não só do branco e preto, mas dos tons de cinza e efeitos de luz. Uma parte da história se passa na época em que as famosas cerejeiras do Japão florescem, e são simplesmente lindas as imagens dos personagens passeando por entre as pétalas caindo. Simplesmente sensacional! Pena eu não achar uma imagem em alta resolução para usar como protetor de tela. Em alguns pontos, o fato do personagem principal ser retratado como um pássaro, e nunca ter seu rosto mostrado, me incomodou um pouco por causa do contraste com o viés realista do restante do desenho. Mas nada que influa negativamente, pois o foco maior do mérito da obra está na história.

 

Quando comecei a ler esse mangá, pensei que não iria terminar. Achei depressivo e angustiante demais para prosseguir a leitura. Mas com o passar das páginas do primeiro volume, me afeiçoei ao personagem e não consegui mais parar de ler. No final do último volume, cheguei à conclusão de que essa é uma grande novela que trata da subjetividade de nossas vidas individuais mas, que ao mesmo tempo, as pessoas são iguais como um todo. Que a grande maioria dos medos, aflições e desejos são comuns às pessoas como indivíduos

 

Todos nós crescemos e temos questionamentos e problemas parecidos em determinadas etapas da vida. Quem não se perguntou como o universo funciona e não se encantou com uma noite estrelada quando era criança? Quem não descobriu uma banda legal na adolescência e quis saber tudo sobre ela? Quem não se preocupou com a aparência quando era adolescente? Quem não se sentia incompreendido por todos, quando tinha uns 15 anos? Quem nunca se apaixonou pela (o) nova (o) colega de sala? Quem não teve problemas com os pais na adolescência? Quem, ao chegar na vida adulta não se preocupou com dinheiro, trabalho e carreira?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

São estes questionamentos que impulsionam toda a história de Boa Noite PunPun. Durante as mais de 2600 páginas vemos a relação dele com suas dúvidas, problemas, e principalmente com as consequências que eles trazem à sua vida. E estas se mostram muito sérias, a ponto do personagem, no fim da adolescência, fazer inúmeras besteiras, como pensar em tirar a própria vida. Nesse ponto da história, me lembrei da música “Pais e Filhos”, da Legião Urbana. Para quem não sabe, essa música é sobre uma garota que tinha problemas com os pais e se matou ao se jogar da janela do quinto andar.

 

E uma das coisas que mais gostei nesse mangá, foi a forma que o autor deixa bem claro que todos esses questionamentos e conflitos internos são coisas inerentes do ser – humano. Por mais que gerações surjam e desapareçam, estas situações irão sempre se repetir. Que crianças sempre serão curiosas, que adolescentes sempre irão se apaixonar perdidamente, sentirão necessidade de pertencer a um grupo, que jovens adultos irão se preocupar com o que vão fazer da vida, e etc. E mais importante ainda: em cada uma destas fases, estes problemas serão os “maiores problemas da sua vida”, e não saberão o que fazer se der tudo errado.

 

Apesar de todo o clima melancólico e depressivo, o próprio PunPun, entrando na fase adulta, chega à conclusão de que seus problemas foram de certa forma potencializados por ele mesmo, e que não eram tão grandes assim. E uma das grandes mensagens da obra aparece no final: Que tudo passa. Que, por maiores que sejam e por mais insolúveis que os nossos problemas pareçam, no final vai dar tudo certo. E assim segue a vida.

 

Já me alonguei muito, e vou ficar por aqui. Só vou lembrar que esse mangá é para maiores de 18 anos.

As sete edições da JBC têm capa cartonada, possuem número de páginas entre 376 e 456, num valor em torno de R$ 44,00 por cada volume, mas sempre estão em promoções em sites de venda. Recentemente a editora publicou um Box com todas as 7 edições ao preço de R$ 282,90.

 

Vale cada centavo.

Matéria inicialmente publicada no site: https://editorialivre.com.br/boa-noite-punpun-sem-spoilers/

Reproduzida com permissão do autor.

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