Resenha por: Carlos Elias 28/12/2020
Resenha por: Carlos Elias 28/12/2020
A turma do Pererê
O Cartunista brasileiro Ziraldo é bastante conhecido por seu personagem “O Menino Maluquinho”, criado na década de 1980 em uma serie de livros infantis, e que posteriormente foi adaptada para os quadrinhos pelo próprio Ziraldo, e depois para o cinema, rendendo dois filmes.
Porém, a minha ligação com Ziraldo vem de um personagem muito mais antigo, que o cartunista criou no inicio de sua careira em 1958 para a revista “O Cruzeiro”. Esse personagem é “Pererê”, baseado no Saci do folclore brasileiro e com forte influência dos livros do “Sitio do Pica-Pau Amarelo” de Monteiro Lobato.
Criado inicialmente como charge para a revista “O Cruzeiro”, em 1960, apenas dois anos após a sua criação, Pererê já tinha sua própria revista em quadrinhos, a primeira totalmente colorida, produzida no mercado brasileiro. Com personagens cativantes que exaltavam a cultura e o folclore do Brasil, como o índio Tininim, a onça Galileu, o macaco Alan, o coelho Geraldinho, o jaboti Moacir e o tatu Pedro Vieira que formavam a turma da Mata do Fundão, liderados pelo Saci, a revista “Pererê” se tornou um enorme sucesso, competindo diretamente com as revistas estrangeiras que dominavam as bancas, naquela época.
Em 1964, no entanto, a revista foi cancelada pelo governo militar, por conta da posição politica do seu criador Ziraldo, que era declaradamente contra o regime ditatorial estabelecido no período. Ziraldo só conseguiria voltar a publicar a revista, muitos anos depois em 1975, já com o nome de ”A Turma do Pererê”, mas, sem o sucesso que havia feito na década de 60, a revista terminou sendo cancelada um ano depois, com apenas 10 edições. E foi através das publicações da década de 70 que eu tive contato com esses personagens.
No final da década 80, vasculhando a coleção de quadrinhos do meu pai, terminei descobrindo alguns volumes da “Turma do Pererê”, perguntei a ele se era legal e lembro-me dele me dizer: “é muito bom, bem melhor que Turma da Mônica”. (Meu pai nunca foi chegado aos quadrinhos de Mauricio de Sousa). Então, resolvi ler aquelas revistinhas e me encantei imediatamente. A forma como Ziraldo apresenta o nosso folclore e a nossa cultura, muitas vezes usando influências de Monteiro Lobato e em outras usando as suas próprias experiências de menino do interior de Minas Gerais, é bastante cativante.
Lembro-me de algumas histórias em que o autor também faz uma critica bem humorada com relação ao colonialismo cultural que o Brasil sofria dos Estados Unidos naquela época, (será que mudou?) Em uma dessas histórias, o Saci tenta homenagear o amigo indígena Tininim pelo seu dia, e para isso conta com a ajuda do resto da turma para montar o cenário de uma tribo indígena, no entanto, todas as referências que seus amigos têm são dos índios norte-americanos. Referências essas, totalmente influenciadas pelo cinema e pela TV, e isso vai deixando o Saci totalmente indignado, mas, com muito esforço, ele consegue ensinar aos seus amigos e também aos leitores, que as duas culturas são bem diferentes, porém, surpreendentemente no final da historia, todo o trabalho cai por terra quando o homenageado chega à festa, totalmente caracterizado de índio norte-americano, e cumprimenta os seus amigos com um alto e sonoro “How”, expressão comumente utilizada pelos índios nos filmes de faroeste, mostrando assim, que nem os nativos brasileiros escaparam da colonização cultural.
Outros personagens tipicamente brasileiros, como o caçador contador de vantagem, representado nos quadrinhos da “Turma do Pererê” por Compadre Tonico, o amigo fiel Seu Nenêm; o malandro da cidade grande representado por Rufino, líder da turma rival a do Saci, e que disputa o amor da Boneca de Piche, interesse amoroso do Pererê; Mamãe Docelina, uma cozinheira preta, claramente inspirada em Tia Anastácia do Sitio do Pica-pau Amarelo, ou Nozito, menino pobre filho de lavradores serviam como gancho para Ziraldo conversar com seus leitores de forma bem humorada, sobre os costumes do nosso povo.
No final dos anos 90 Ziraldo ainda fez uma nova tentativa de publicação da Turma do Pererê aproveitando o enorme sucesso que estava fazendo com “O Menino Maluquinho”, mas essas publicações também não tiveram êxito, sendo canceladas com pouquíssimos números lançados. Hoje em dia, encontramos alguns encadernados com republicações das antigas histórias. Em 1998, uma série em live-action, produzida pela TV Brasil em parceria com o Próprio Ziraldo fez um enorme sucesso, adaptando muito dos roteiros dos quadrinhos para a TV e sendo exibidos em vários canais públicos ate hoje. Em 2019 foi lançado um documentário que conta a trajetória e a importância da revista “A Turma do Pererê”, para o quadrinho nacional. No documentário há depoimentos do próprio Ziraldo e de personalidades como Laerte e Mauricio de Sousa.
Atualmente “Pererê” talvez tivesse que passar por algumas reformulações para se adequar ao politicamente correto, porque muitos dos seus personagens podem ser vistos erroneamente como estereótipos, mesmo que Ziraldo sempre tenha se preocupado com um discurso inclusivo e muitas vezes ecológico. Talvez essa seja uma barreira para que haja novas publicações da revista, ou adaptações para a TV. Entretanto, recomendo aos fãs de quadrinhos, que leiam “A turma do Pererê”, sendo principalmente uma ótima dica de leitura para as crianças conhecerem um pouco mais, sobre a nossa cultura.
Referências:
A Turma do Pererê - Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Turma_do_Perer%C3%AA
A Turma do Pererê: Um gibi dos bons tempos - KEYNEWS:
https://keyimaguirejunior.wordpress.com/2014/02/15/a-turma-do-perere-um-gibi-dos-bons-tempos/